Denis Warren – Harmônicos na Guitarra

Introdução: Ao conseguir dominar os harmônicos na guitarra aumentamos de forma considerável a tessitura do instrumento tocando notas agudas que vão além das casas do braço. Além disso conseguimos inserir no fraseado ou nos riffs de base efeitos singulares, trazendo expressão e individualidade.

Nessa aula vamos entender o que é harmônico, quais os tipos, e onde estão localizados matematicamente no braço da guitarra. Além disso veremos a aplicação direta dos diferentes harmônicos e a sua relação com o meio.

O que é som? Quando um objeto vibra ele “empurra” as moléculas de ar em torno dele, e essas por consequência empurram as suas moléculas vizinhas. Essa propagação da vibração por um meio material elástico (gás, líquido ou sólido) chamamos de som. Ao atingir o nosso ouvido esse vibra por consonância e essa manifestação é traduzida e interpretada pelo nosso cérebro, é quando escutamos.

Frequência sonora: é a velocidade/segundo, medida em Hertz (Hz), da vibração de um objeto. Se um objeto vibra 20 vezes dentro do espaço de 1 segundo, dizemos que sua frequência é de 20Hz. Se ele vibra 500 vezes em 1 segundo sua frequência é de 500Hz. Nosso ouvido humano ideal em condições acústicas perfeitas pode escutar entre 20 até 20.000 vibrações por segundo, ou seja, de 20Hz (grave) até 20KHz (agudo). Abaixo disso chamamos de Infra-som e acima de Ultra-som.

A nota Lá que usamos em música como referência para afinar o instrumento vibra 440 vezes em 1 segundo (440HZ). Toda vez que essa frequência dobra ou cai pela metade a oitava sobe ou desce, então:

440Hz → dobrando de velocidade → Lá 880Hz (1 oitava acima)

440Hz → dividindo a velocidade → Lá 220Hz (1 oitava abaixo)

As frequências das cordas da guitarra:

Legenda: Frequências em Hz das cordas da guitarra em afinação padrão (EADGBE)

Então, usando a quinta corda da guitarra como exemplo temos as seguinte situação:

Amplitude sonora: é a quantidade de energia (pressão) por unidade de tempo, por consequência quanto maior a amplitude, maior a intensidade sonora (medida em decibéis). O som dobra a cada acrescimo de 6 decibéis, portanto 18db é quatro vezes maior que 6db e não três. Sons acima de 85db podem, se formos expostos por longo período de tempo, provocar o comprometimento do nosso sistema auditivo. Em torno de 130db é o nosso limite de dor, e acima disso a perda total da audição é inevitável.

Legenda: Relação entre Intensidade Sonora em decibéis e ambiente

Séria harmônica: Quando uma corda vibra, ela irá vibrar em toda a sua extensão (Fig. 1), e essa vibração produz som. Ao mesmo tempo essa corda vibra em 2 partes (Fig. 2) emitindo um som com o dobro da frequência da corda solta, ou seja, oitava acima. Ela também vibra em 3, 4, 5, 6 (Fig. 3-6), infinitas partes, e todas essas vibrações emitem sons com frequências diferentes, cada vez mais agudas. Essas notas, inclusive a fundamental, chamamos de harmônicos. Observe o desenho abaixo:

Legenda: As diferentes formas de vibração da corda em partes inteiras (1-6)

 

Quando observamos uma corda vibrar é difícil perceber essas outras vibrações pois elas se confundem numa massa visual como no desenho abaixo:

Legenda: Vibração total da corda com a soma das partes

 

A sequência de harmônicos gerada pela vibração da corda em infinitas partes, para cada corda, pode ser vista na tabela abaixo:

H → Harmônicos de 1 a 16 (limite humano)

Legenda: Os primeiros 16 harmônicos da série harmônica X Cordas da guitarra

Visualizando e ouvindo os harmônicos: É possível observar e ouvir separadamente cada vibração da corda usando o recurso do harmônico natural. Faça o seguinte processo…

1 – Toque a corda solta e observe que ela vibra em toda a sua extensão. Próximos aos pontos onde ela é fixada (ponte e capotraste) a vibração é quase imperceptível e exatamente no meio da corda a vibração tem sua maior amplitude, idêntico ao desenho acima (Fig. 1). O som é o fundamental, também chamado de primeiro harmônico.

2 – Encoste, sem pressionar, o dedo da mão esquerda em cima do traste 12 e palhete. Observe que nesse ponto não é possível observar a vibração da corda, mas percebe-se ela dividida em 2 partes (Fig. 2). O som é oitava acima, do segundo harmônico.

3 – Encoste, sem pressionar, o dedo da mão esquerda em cima do traste 7 e palhete. Observe que nesse ponto não é possível observar a vibração da corda, mas percebe-se ela dividida em 3 partes (Fig. 3). O som é uma oitava + uma quinta acima da corda solta, o terceiro harmônico.

4 – Encoste, sem pressionar, o dedo da mão esquerda em cima do traste 5 e palhete. Observe que nesse ponto não é possível observar a vibração da corda, mas percebe-se ela dividida em 4 partes (Fig. 4). O som é 2 oitavas acima da corda solta, o quarto harmônico.

5 – Encoste, sem pressionar, o dedo da mão esquerda 1 milímetro antes do traste 4 (3.9) e palhete. Observe que nesse ponto não é possível observar a vibração da corda, mas percebe-se ela dividida em 5 partes (Fig. 5). O som é 2 oitavas + uma terça maior acima da corda solta, o quinto harmônico.

Na prática podemos continuar fazendo esse mesmo processo, dividindo a corda em 6, 7, 8, 9, etc…, partes e vamos obter sons cada vez mais agudos com volume cada vez mais baixo. Basta continuar palhetando a corda e movendo o dedo pra esquerda no braço do instrumento, em direção ao capotraste. Você vai perceber que os harmônicos da casa 1 e 2 são bastante difíceis de serem escutados pois eles são muito agudos.

Posição dos harmônicos no braço da guitarra:

Como a nota musical se mantém com a multiplicação ou divisão da frequência em partes inteiras, temos a correspondência dos harmônicos nessas regiões do braço da guitarra…

1, ½, ¼, 1/8, 3/8, 5/8, ¾, 1/16 → Tônica

1/3, 2/3, 1/6, 5/6 → Quinta Justa

1/5, 2/5, 3/5, 4/5, 1/10, 3/10, 7/10, 9/10 → Terça Maior

1/7, 2/7, 3/7, 4/7, 5/7, 6/7 → Sétima Menor

1/9, 2/9, 4/9, 5/9, 7/9, 8/9 → Segunda Maior

Legenda: Braço da guitarra (Afinação: EADGBE) com a posição dos harmônicos.

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Legenda: Braço da guitarra com a posição dos harmônicos

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Exemplo em audio: Os primeiros 7 harmônicos depois da fundamental tocados em cada corda.

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Corda 6 – E B E G# B D E (formam o arpejo de E7).

Corda 5 – A E A C# E G A (formam o arpejo de A7).

Corda 4 – D A D F# A C D (formam o arpejo de D7).

Corda 3 – G D G B D F G (formam o arpejo de G7).

Corda 2 – B F# B D# F# A B (formam o arpejo de B7).

Corda 1 – E B E G# B D E (formam o arpejo de E7).

Legenda: Tabela com a relação entre as Casas X Notas X Volume dos harmônicos

No gráfico acima você encontra a posição em fração do comprimento da corda ou a porcentagem da distância do capotraste até a ponte da guitarra.

Volume dos Harmônicos: O primeiro harmônico da série harmônica (corda solta) é o que possui maior amplitude sonora. O volume vai reduzindo a cada harmônico que segue a série. Na prática escutamos bem, para uma nota grave, os primeiros 5 harmônicos (nosso limite máximo é de 16 harmônicos). Numa nota aguda escutamos poucos harmônicos pois a maioria deles se encontram acima da capacidade auditiva humana.

Observe a coluna de volume na tabela acima. A corda solta é representada pelo número 1, ou seja, 100% do volume. A partir dela o volume decresce, o traste 12 tem valor 2, os trastes 7 e 19, valor 3 e assim por diante.

Sequência de maior volume (1) → menor volume (16):

Corda solta → Casa 12 → 7 e 19 → 5 e 24 → 3.9, 27.9, 8.8, 15.9 → 3.2, 31 → 2.7, 33.7, 5.8, 21.7, 9.7, 14.7 → etc…

Tipos de harmônico: Existem na guitarra essencialmente 4 tipos de harmônicos.

1 – Harmônico natural (Natural Harmonic): é produzido encostando o dedo da mão esquerda levemente na corda. Os pontos de maior efeito são aqueles do início da série harmônica → casas 12, 7, 19, 5, 24, 3.9 (Imagem 1)

2 – Harmônico artificial (Artificial/Pinch Harmonic): é produzido palhetando e encostando simultaneamente a unha ou pele do dedo da mão direita na corda (Imagem 2). Dessa forma mudamos a qualidade de vibração da corda evitando que a nota fundamental soe.

Outra forma é palhetando (imagem 3) e depois encostando o polegar da mão direita na corda (imagem 4).

Mudando a posição da palhetada muda o harmônico. As posições mais eficientes são as múltiplas em distância, começando por 12 casas acima.

Exemplo: se você está pressionando a casa 5 (1/4 do comprimento da corda) com o dedo da mão esquerda, palhete nas posições 2/4 (casa 12) e 3/4 (casa 24). Experimente também nos outros múltiplos como 3/8 (casa 8.1), 5/8 (casa 17) e 7/8 (casa 36 – 87%) ou ainda 13/16 (casa 29 – 81%), 15/16 (casa 48 – 93%).

3 – Tapping harmonic: é produzido com o martelamento do dedo da mão direita (tapping) 12 casas acima da nota que está sendo pressionada com a mão esquerda.

Exemplo: Se a mão esquerda está pressionando a casa 5, faz-se o tapping no traste da casa 5+12 = 17.

Outra técnica é bastante usada no violão clássico e consiste em usar o indicador e o dedo anular da mão direita para realizar o tapping da mesma forma que se articula o harmônico natural. Encosta-se o indicador levemente na corda, 12 casas acima da nota da mão esquerda e “palheta-se” com o dedo anular (imagem 5).

4 – Semi-harmônico (Semi Harmonic): na execução do harmônico artificial encosta-se o dedo da mão direita muito suavemente, dessa forma a nota fundamental continua soando junto com o harmônico. A sensação é de estar escutando duas notas juntas.

Exemplos em Audio com músicas do meu cd DEEP:

1 – Início da música Autumn Breeze com harmônicos naturais (guitarra limpa), em todo o trecho.

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2 – Música One Last Day, harmônicos naturais na terceira corda (casas 2, 3, 4 e 5). Note que o pitch das notas vai caindo já que o movimento da mão esquerda vai da casa 2 para a 5, aumentando a porcentagem da corda (11% – 25%, ou seja, 1/9 para 1/4). Mais pra frente a finalização de uma frase com harmônico artificial.

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3 – Música When The Past Comes Back, onde faço os acordes da harmonia com tapping harmonic. No exemplo, primeiro a versão original, depois sem as 2 guitarras solo que fazem os fades de volume.

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4 – Solo lento em The Mental Storm, onde finalizo várias frases com Semi-harmônico. No final do solo um harmônico natural controlado com alavanca.

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Para tablaturas das músicas usadas nos exemplos clique aqui

Harmônicos X acordes: Podemos obter diferentes acordes quando executamos mais de um harmônico por vez. Observe na tabela abaixo, por exemplo, os harmônicos da Tônica (Fundamental) → Corda solta, casa 12, casas 5 e 24, casas 2.3, 8.1, 17, 36. Ao tocar a primeira corda (E) com a segunda corda (B) formamos o powerchord de E5. Tocando as cordas 1,2 e 3 (E B G) formamos a tríade de Em e incluindo a quarta corda (D) formamos o tétrade de Em7, e assim por diante, observe a tabela abaixo:

Legenda: Acordes gerados por harmônicos

Uma forma bonita de usar os acordes em harmônicos é através da sobreposição de acordes no arranjo com 2 guitarras, onde os harmônicos funcionam como complemento do acorde base ou como notas de tensão.

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Exemplo 1:

Acorde de C (C E G)

Tocando os harmônicos tônicos das cordas 1 e 2 (E B) → C (C E G) + notas E e B = C7M

Tocando os harmônicos tônicos das cordas 1, 2 e 3 (E B G) → C (C E G) + notas E, B e G = C7M

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Tocando os harmônicos tônicos das cordas 1, 2, 3 e 4 (E B G D) → C (C E G) + notas E, B, G e D = C7M(9)

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Exemplo 2:

Acorde de F (F A C)

Tocando os harmônicos tônicos das cordas 1 e 2 (E B) → F (F A C)+ notas E e B = F7M(#11)

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Tocando os harmônicos tônicos das cordas 1, 2 e 3 (E B G) → F (F A C)+ notas E, B e G = F7M(9/#11)

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Exemplo 3:

Powerchord de C5 (C G)

Tocando os harmônicos tônicos das cordas 1 e 2 (E B) → C5 (C G) + notas E e B = C7M

Tocando os harmônicos tônicos das cordas 1, 2 e 3 (E B G) → C5 (C G) + notas E, B e G = C7M

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Tocando os harmônicos tônicos das cordas 1, 2, 3 e 4 (E B G D) → C5 (C G) + notas E, B, G e D = C7M(9)

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Harmônicos X timbre: O timbre influencia diretamente a qualidade e força dos harmônicos na guitarra. Equalizações mais agudas tendem a evidenciar um número maior de harmônicos da série e distorções mais carregadas trazem força e corpo. Como o timbre também está relacionado ao equipamento, um hardware com qualidade e com boa manutenção tende a oferecer mais.

Cabos de baixa qualidade tendem a comprimir o som e cortar as frequências mais agudas, comprometendo os harmônicos altos da série harmônica. Captadores ativos por sua vez trazem corpo e brilho aumentando a gama de harmônicos escutáveis.

Os amplificadores valvulados evidenciam os harmônicos pares (são na maioria da nota fundamental), trazendo uma distorção mais limpa e definida.

Harmônicos X acústica: Uma sala de audição ou performance bem equilibrada é aquela que tem suas proporções acústicas adequadas, sem grandes problemas com: ondas estacionárias, excesso de reflexões, flutter echo, entre outras coisas. Infelizmente, na maioria da vezes estamos obrigados a ensaiar e tocar em ambientes grosseiros e saber se adaptar a situação é vital para um bom desempenho.

Os harmônicos agudos (terça e sétima, segundas) são geralmente os mais sensíveis da série, então teste a acústica do ambiente tocando esses harmônicos e reposicione o amplificador (esquerda e direita, frente e trás, cima e baixo) buscando o melhor ponto para um desempenho satisfatório.

Feedback: Ao sustentar uma nota obtendo a realimentação do amplificador (feedback) estamos na prática evidenciando os harmônicos individuais da série harmônica. Mudando a guitarra de posição muda o harmônico. Então é importante que, antes de ensaiar ou tocar você verifique os pontos no palco onde cada tipo de harmônico é reforçado. Ache pelo menos os harmônicos da tônica, terça e quinta.


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