Harmonia funcional

Olá Yuri.

O acorde m6 pode ser tônico da mesma forma que um acorde do tipo T7 pode desempenhar qualquer uma das 3 funções dentro do blues.
Numa análise harmônica não devemos olhar um acorde de forma estática ocupando apenas um lugar pontual na harmonia, ele faz parte de um todo, está relacionado com os acordes que vieram antes e com os acordes que virão. Tá relacionado com a tônica da música, com a tonalidade, com o estilo e com a linguagem.
Dentro do sistema tonal um acorde dominante não é apenas aquele que possui um trítono na formação, é preciso muito mais, como a resolução desse trítono no acorde seguinte, o movimento do baixo uma quarta justa ascendente (para uma cadência perfeita), o desenvolvimento do conceito tonal ao longo das cadências, o casamento com a escala da melodia.
Observe no blues…

A7 | % | % | % || D7 | % | A7 | % || E7 | D7 | A7 | E7

Todos os acordes possuem o mesmo tipo de formação, são maiores com sétima menor, com um trítono. Isso ocorre pois o blues nasceu de forma improvisada através da voz cantada, onde a base era executada no formato de arpejo. Era mais fácil e natural apenas mover esse arpejo para uma quarta ou quinta acima da tônica, sem mexer na sua estrutura.
Mesmo assim cada um dos acordes desempenha uma função harmônica diferente:

O A7 é o acorde tônico.
O D7 é o acorde subdominante.
O E7 é o acorde dominante.

Mas no quarto compasso podemos considerar o A7 dominante para D. O E7 do compasso 9 pode ser analisado como subdominante ou dominante.
O princípio é simples, você deve analisar os acordes de acordo com o contexto, com os elementos que temos disponíveis para fazer a comparação. Se todos os acordes são do mesmo tipo, será a posição na cadência que garantirá a sua função.

Sobre o acorde m6…

É o primeiro grau do campo harmônico menor melódico, que é uma das escalas que fazem parte da tonalidade menor. É perfeitamente normal incluir no primeiro grau a tensão característica da escala, nesse caso a sexta maior. Outras variações são comuns como tônicos menores como os acordes Tm, Tm7M e Tm7.
Um clichê é usar essas variações em sequência, por exemplo:

Am | Am7M | Am7 | Am6

Você já deve ter visto inúmeras músicas com essa cadência.

Sobre Corcovado do Tom Jobim…

A cifra dos primeiros compassos é a seguinte (Intro):

Am6 | G#o(b13) | Gm7 | C7(9) | F7M

Observe a série de preparações chegando no acorde de F7M.

F7M – Acorde de chegada.
C7(9) – Dominante do acorde de F7M.
Gm7 – Segundo grau subdominante do acorde de F7M (cadência II-V7-I).
G#o(b13) – Substituto do acorde de G7, que prepara o C7(9).
Am6 – Substituto do acorde de D7, que prepara o G7.

Podemos inclusive reescrever a cadência:

D7 | G7 | Gm7 | C7(9) | F7M

Com a entrada da voz o princípio se mantém:

Am6 | % | G#o(b13) | % | Gm7 | C74(9) | Gb7(#11) | F6

A única mudança é a métrica dos 2 primeiros acordes, e a variação na estrutura do acorde de C, que recebe uma suspensão de quarta, e depois é substituído pelo Gb7(#11).

Fazendo a análise direta usando os argumentos acima, tratamos o Am6 como um dominante. Mas concordo que escutamos esse acorde como tônico. Possui a mesma tônica do tom da música, é o acorde de entrada das frases e resolução da música e contrasta com G#o, criando um balanço entre tensão e resolução.
Pense nele como o A7 do exemplo do blues que citei acima, onde um acorde pode assumir mais de uma cara.